13 de junho de 2007

um dia com fred miranda

“por que estás ao longe, senhor? por que te escondes nos tempos de angústia?”


de olhos fechados, encolhido, percebe a senhora, essa sem opções, mordiscar sua orelha às seis e trinta de uma quarta-feira, dia útil.

o banho frio – um hábito – é saudável, ouviu dizer, e barato... desperta.

a primeira refeição, junto à família, é suficiente, faz crer. a esposa e as filhas, duas, gêmeas, o cercam de cuidados, reconhecem o seu valor... o beijo doce, suavemente apaixonado, lembra a razão do trabalho...
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frederico é mais ou menos inteligente; mais ou menos charmoso; mais ou menos seguro; mais ou menos crível... o que mais ou menos desperta interesse é o conjunto: a família, a casa, a ordem. frederico orgulha-se da ordem, e mais ainda os seus...
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... ah! o esportivo também é motivo de orgulho: um camaro 74, em dois restaurado, que gosta de passear em dias de clima agradável...

... um par de quilômetros, apenas, até o escritório, e o carro, afinado, roda macio. problemático é o trânsito, de autos, não autos e transeuntes...

... frederico, por hora, deve superar o alternativo, anda não anda a um canto do pavimento... e não vê, não poderia ter visto o pedestre que corre de um lado para outro...

... a ordem! amava a ordem... mas para, então, e leva as mãos à fronte, ao que os segundos ganham peso, e o ar, denso, agora, enfraquece tudo e todos...

... liberta-se, porém, sem mais nem aquela, e deixa o local do crime, arrancando com violência o v8... olhos abertos, verdadeiramente abertos.... afasta-se, segue... e o casal que espera o coletivo não espera, não tem chance contra o clássico que avança sobre o passeio, arrastando mulher e homem... uma manobra instintiva, necessária... frederico precisa voltar...

... e encontra ainda um cachorro vadio, mas não discrimina, tampouco o velho camaro...

...e a cerca baixa, recentemente caiada... frederico costumava, sempre, apreciar o próprio trabalho. hoje, não...

... a esposa percebe, claro, que algo não está certo, mas não sabe dizer o que há. frederico a toma nos braços e acalma os seus lábios com um beijo displicente. não é suficiente, sempre tão evidente, mas não incomoda, o ruído das questões.

o quarto, preparado, recebe frederico sem queixas... lençol esticado; cortina limpa, aberta; o tapete, um outro leito... mudo, o criado, esse frederico procura... uma pistola 765, seu pente e balas 7,65mm.

a melhor parte, atônita, repreende, um tanto auto-indulgente, evidentemente... mas miranda abandona o que há, inconsciente, embora convencido de sua realidade, e parte, feito uma besta, rumo ao que julga sincero, certo.

em casa, um conterrâneo próximo, esse abre a porta sorridente, oferecido... e frederico se irrita com a volatilidade das feições... o vizinho, temeroso, foge, procura abrigo.

a polícia, eficiente, prudentemente coberta, jaz no flanco seguro da viatura... um tiro, dois... fred miranda, no jardim de casa alheia, cai, satisfeito... ante o homem, o medo de ser e a ordem... morre, então, vítima de um próprio critério, frederico, falho. um exagero da realidade, verdade, conquanto sensível como o medo de enlouquecer.