15 de junho de 2007

o homem-elefante (1980)

com base na vida do inglês joseph merrick (john merrick no filme), supostamente vítima de uma variação severa da síndrome de proteus, órfão, explorado num circo de aberrações...

de david lynch, com anthony hopkins, john hurt e anne bancroft...



(1) extremo, (2) cruel, (3) degradante, (4) controverso.

esse um pede linhas extra... outro dia, manifestaram interesse no juízo que faria eu do filme. após uma resposta mal-criada, a qual explico, sem abono, com a mistura de ciúme e álcool, disse, penitente: o homem-elefante é impressionante, digno de qualquer estante, porque é prova de que o sr. lynch sabe dirigir e montar um filme normal... a fotografia em p&b é mais que adequada, pois que o contraste entre luz e sombra valoriza o suspense... e, acredito, é difícil manter a tensão num filme de personagens marcados, uma biografia.

o filme é extremo, mas não caricato; é sensível, mas não piegas; é cruel e ainda doce, comovente; é degradante, contudo humano... controverso.


tópico original: nova escala

memórias de minhas putas tristes (2005)

romance entre homem nonagenário, que descobre não ter ainda amado, e adolescente virgem...

de gabriel garcía márquez...


“... beijei-a por todo o corpo até ficar sem respiração: a espinha dorsal, vértebra por vértebra, até as nádegas lânguidas, o lado da pinta, o de seu coração inesgotável. à medida que a beijava aumentava o calor de seu corpo e ela exalava uma fragrância de montanha. ela me respondeu com vibrações novas em cada polegada de sua pele, e em cada uma encontrei um calor diferente, um sabor próprio, um gemido novo...

(...)

a falta de sossego acabou com o rigor dos meus dias. acordava às cinco, mas ficava na penumbra do quarto imaginando delgadina em sua vida irreal de acordar os irmãos, vesti-los para a escola, servir o café da manhã, se houvesse o que pôr na mesa, e atravessar a cidade de bicicleta para cumprir a pena de pregar botões. e me perguntei assombrado: em que pensa uma mulher enquanto prega um botão? pensava em mim? ela também procurava rosa cabarcas para me achar? passei uma semana inteira sem tirar o macacão de mecânico nem de dia nem de noite, sem tomar banho, sem fazer a barba, sem escovar os dentes, porque o amor me mostrou tarde demais que a gente se arruma para alguém, se veste e se perfuma para alguém, e eu nunca tinha tido para quem.

(...)

havia achado, sempre, que morrer de amor não era outra coisa além de uma licença poética. naquela tarde, de regresso para casa outra vez, sem o gato e sem ela, comprovei que não apenas era possível, mas que eu mesmo, velho e sem ninguém, estava morrendo de amor. e também percebi que era válida a verdade contrária: não trocaria por nada neste mundo as delícias do meu desassossego...”

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(1) simples, (2) leve, (3) adocicado.

... lembra chá de camomila, apesar do burburinho típico de fim de história.


tópico original: nova escala

13 de junho de 2007

um dia com fred miranda

“por que estás ao longe, senhor? por que te escondes nos tempos de angústia?”


de olhos fechados, encolhido, percebe a senhora, essa sem opções, mordiscar sua orelha às seis e trinta de uma quarta-feira, dia útil.

o banho frio – um hábito – é saudável, ouviu dizer, e barato... desperta.

a primeira refeição, junto à família, é suficiente, faz crer. a esposa e as filhas, duas, gêmeas, o cercam de cuidados, reconhecem o seu valor... o beijo doce, suavemente apaixonado, lembra a razão do trabalho...
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frederico é mais ou menos inteligente; mais ou menos charmoso; mais ou menos seguro; mais ou menos crível... o que mais ou menos desperta interesse é o conjunto: a família, a casa, a ordem. frederico orgulha-se da ordem, e mais ainda os seus...
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... ah! o esportivo também é motivo de orgulho: um camaro 74, em dois restaurado, que gosta de passear em dias de clima agradável...

... um par de quilômetros, apenas, até o escritório, e o carro, afinado, roda macio. problemático é o trânsito, de autos, não autos e transeuntes...

... frederico, por hora, deve superar o alternativo, anda não anda a um canto do pavimento... e não vê, não poderia ter visto o pedestre que corre de um lado para outro...

... a ordem! amava a ordem... mas para, então, e leva as mãos à fronte, ao que os segundos ganham peso, e o ar, denso, agora, enfraquece tudo e todos...

... liberta-se, porém, sem mais nem aquela, e deixa o local do crime, arrancando com violência o v8... olhos abertos, verdadeiramente abertos.... afasta-se, segue... e o casal que espera o coletivo não espera, não tem chance contra o clássico que avança sobre o passeio, arrastando mulher e homem... uma manobra instintiva, necessária... frederico precisa voltar...

... e encontra ainda um cachorro vadio, mas não discrimina, tampouco o velho camaro...

...e a cerca baixa, recentemente caiada... frederico costumava, sempre, apreciar o próprio trabalho. hoje, não...

... a esposa percebe, claro, que algo não está certo, mas não sabe dizer o que há. frederico a toma nos braços e acalma os seus lábios com um beijo displicente. não é suficiente, sempre tão evidente, mas não incomoda, o ruído das questões.

o quarto, preparado, recebe frederico sem queixas... lençol esticado; cortina limpa, aberta; o tapete, um outro leito... mudo, o criado, esse frederico procura... uma pistola 765, seu pente e balas 7,65mm.

a melhor parte, atônita, repreende, um tanto auto-indulgente, evidentemente... mas miranda abandona o que há, inconsciente, embora convencido de sua realidade, e parte, feito uma besta, rumo ao que julga sincero, certo.

em casa, um conterrâneo próximo, esse abre a porta sorridente, oferecido... e frederico se irrita com a volatilidade das feições... o vizinho, temeroso, foge, procura abrigo.

a polícia, eficiente, prudentemente coberta, jaz no flanco seguro da viatura... um tiro, dois... fred miranda, no jardim de casa alheia, cai, satisfeito... ante o homem, o medo de ser e a ordem... morre, então, vítima de um próprio critério, frederico, falho. um exagero da realidade, verdade, conquanto sensível como o medo de enlouquecer.

12 de junho de 2007

nova escala

gostar ou não gostar é algo subjetivo. difícil dizer e ser compreendido; difícil compreender assim, apenas de ouvido. se um diz, gosto, escuta logo um, problema seu... isso não me diz coisa alguma. alguém pode discordar, encontrar alguém que concorde – falo do ponto de vista e não da teoria. de qualquer forma, concordando, há de ser por critérios outros, pois tem interesses outros, é diferente, único. entende? certamente, sim – falo da teoria e não do ponto de vista. gostar é complicado!

avaliar não é complicado. avaliar é simples, existe método! e quem conhece o método? quem avalia, é claro!!! e esse tem o hábito de se expressar com estrelas: uma estrela é ruim; cinco, excelente. alguns, meticulosos, agregam à já complexa escala o peru, ou turkey... peru é nada, menor que estrela, diz ainda menos.

insatisfeito com a escala de peru e estrelas, proponho uma nova: a escala de adjetivos. não adjetivos do tipo ruim e excelente, cúmplices da escala antiga, mas algo mais significativo... o fabuloso destino de amélie poulain, de jean-pierre jeunet, por exemplo, é um filme colorido. dorian, de johann sebastian bach, por sua vez, uma composição impetuosa...
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para abrir a série, o último filme de que fui testemunha: notas sobre um escândalo (2006), de richard eyre, com judi dench e cate blanchett...



(1) amoral, (2) expressivo, (3) crível.